DO AMOROSO ESQUECIMENTO - Eu agora - que desfecho!... Já nem penso mais em ti... Mas será que nunca deixo... De lembrar que te esqueci?
DAS UTOPIAS - Se as coisas são inatingíveis... ora!... Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos se não fora... A mágica presença das estrelas!
POEMINHO DO CONTRA - Todos estes que aí estão... Atravancando o meu caminho... Eles passarão... Eu passarinho!
BILHETE - Se tu me amas... ama-me baixinho... não o grites de cima dos telhados... deixa em paz os passarinhos... deixa em paz a mim... Se me queres enfim... tem de ser bem devagarinho... amada... que a vida é breve... e o amor... mais breve ainda.
SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS - A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa... Quando se vê, já são 6 horas... há tempo... Quando se vê, já é 6ªfeira... Quando se vê, passaram 60 anos... Agora, é tarde demais para ser reprovado... E se me dessem um dia uma outra oportunidade... eu nem olhava o relógio... seguia sempre, sempre em frente... E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
SOBRE O AMOR
SIMULTANEIDADE - Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver! Você é louco? Não, sou poeta.
DA OBSERVAÇÃO - Não te irrites, por mais que te fizerem... Estuda, a frio, o coração alheio... Farás, assim, do mal que eles te querem.. Teu mais amável e sutil recreio.
DOS MILAGRES - O milagre não é dar vida ao corpo extinto... Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo... Nem mudar água pura em vinho tinto... Milagre é acreditarem nisso tudo!
O LUAR - O luar,é a luz do Sol que está sonhando... O tempo não pára!... A saudade é que faz as coisas pararem no tempo... os verdadeiros versos não são para embalar, mas para abalar... A grande tristeza dos rios é não poderem levar a tua imagem.
BIOGRAFIA - Era um grande nome — ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua... E continuaram a pisar em cima dele.
ARTE DE LER - O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.
MARIO QUINTANA POR MARIO QUINTANA
( texto escrito pelo poeta para a revista Isto É em 1984 )
Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Há ! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai ! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas : ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade. Nasci do rigor do inverno, temperatura : 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton ! Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso ! sou é caladão, instrospectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros ? Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de fármacia durante 5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem ( ou souberam) , o que é a luta amorosa com as palavras.
Rose Pelayo
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